quarta-feira, 8 de julho de 2009

Noites de Jazz - "I Walked Bud", "Blue Monk" e "'Round Midnight"

Eu já ficava irreverente diante do mundo que girava. E eu conseguia ver que girava. Ao meu redor. Eu, o centro de tudo. Terá sido o uísque? O sangue em minhas mãos nem pingava de tão seco. Lembro que gostava daquele cheiro amargo, suave bolor, aquele negócio - não meu - coagulando em minhas mãos. Sentia-me vazio e infinito.
A música dizia “… Oscar played a mean sax/Mr. Byers blew a mean axe/Monk was thumping…” quando eu vi que ela dormia. Na hora do solo de Monk eu preparava uma dose modesta de uísque, com pouco gelo, para que eu pudesse acompanhar a bateria, solando com o copo. Uma vontade de comer veio súbita, assim como partiu. Levei o copo à boca e por um segundo inalei aquele ar frio e seco de dentro do copo, um odor metálico atravessou minhas narinas e penetrou no meu cérebro me fazendo não pensar naquele instante. Bebi num gole só e não pude evitar a contração dos músculos do meu rosto, dos meus ombros e do tórax. Preparei outra dose, firmei o lençol que prendi à cintura e fui até a cozinha achar o que fazer. A música já era outra.
Monk se ocupava com um Monge Azul enquanto um frio glacial subia pela minha espinha, contornava meus braços e fazia meus dedos estremecerem. Larguei o copo no balcão e sentei num banco alto de madeira.
Meus pensamentos ricocheteavam nas paredes do meu crânio e, realmente, foi uma grande noite. Lembrei do japonês que nos serviu o café na estação e de que o uísque estava acabando. Acendi um cigarro e, naquela fumaça densa, vi meus pensamentos amorfos. Vi a incoerência dos acontecimentos. Não pensei por mais um instante e meus pensamentos voltaram a enlouquecer. Ela me pressionava há muito para algo que eu não compreendia. Dei um gole no uísque e traguei o cigarro. Eu já não sentia culpa pelo futuro. Sabia o que devia fazer, bastava-me fazê-lo. Acabei num gole o uísque e peguei uma das facas do faqueiro.
Passei pela sala e na outra mão trouxe a garrafa de uísque. Minhas pernas não estremeciam, nem minha convicção. Entrei no quarto em silêncio e ela de bruços. Era domingo e estava chovendo.
- Amor, preparou algo para comermos? – aquela voz rouca e suave como cotelê velho não me fez mudar de idéia.
- Sim, baby! Eis aqui o desjejum. – larguei a garrafa no pé da cama e pulei em cima dela, tapando-lhe a boca com uma das mãos e prontamente com a outra rocei a faca no pescoço dela, fazendo um suave corte na ida e um colericamente profundo na volta. Seus braços não tiveram tempo de reagir sendo as suas mãos as únicas a terem se manifestado, abrindo e enrijecendo os dedos de forma insana como se por ali fluísse o sangue e como se ali tivesse sido o corte. Larguei sua cabeça e a música já era outra.
Sentei-me aos pés da cama e dei um gole da garrafa de uísque. Meu cigarro na cozinha já devia ter-se apagado no cinzeiro. Coisa que aquela ali não teria feito sem mim.

N.A.: Músicas interpretadas por Thelonious Monk Quartet, exceto In Walked Bud por Thelonious Monk Quartet e Bud Powell.