terça-feira, 26 de abril de 2011

Rats

No teto infecundo ratos embriagados gritam em esparsos raios de luz.
Giram, decepcionados, nos estalos do relógio, miríades de sonhos.
Os roedores desprezam o veneno em busca do supremo absurdo,
colidem uns nos outros nos intervalos escuros do sótão abandonado.
Despedem-se do sol dentro dos escafandros e mergulham na poeira adormecida.
Apagam as lições de vida do patriarca e o que resta é o desespero cor-de-rosa.
Pobres aqueles que ingeriram a verdade.

Vórtice

Estou livre até o pescoço;
acima, sou aparato de vingança alheia.
As colheres tilintam agonizantes na cozinha,
"alimentaremos bocas para que?", dizem elas.
Cegos caminham convictos e estamos azul-acinzentados previamente,
por esta liberdade toráxica e tediosa.
O cérebro sufocado num enxame de ideias descartadas e vagantes.
Numa outra realidade eu seria um leito vago;
um objeto horizontal esperando uma razão de ser
(não mais do que sou hoje).
As pombas sorriem nos umbrais mal pintados e memorizam o perímetro.

Louros

Uma inspirada profunda
e os olhos se fecham no incessante ruído da urbe,
não mais me cega o sol outonal e vem,
tímido, em gotículas, o vento me refrescar os braços.
Aos olhos se decompõem a rua e os semáforos;
e um sinal aberto é sempre um bom sinal.
Seguem, matinais, as pernas cobertas de jeans,
alternando-se convictas e tensas.
A brisa não causa comoção
e quase não há brisa onde esta ainda comove.
É natural aprazer-me as coisas naturais
e delas subtrair a verdadeira existência;
mas como decantar o mundo ou pô-lo em repouso?
ou livrar-me do paradoxo de que tudo é natural e nada é natural?
Eu sou você, na mesma proporção que você é você.
Vivo neste planeta e mereço tudo que dele advém;
não merecesse, por que haveria de, em todo ele, viver?

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Monstro

Seu cérebro contém mil vontades e desejos irrealizáveis;
pela traquéia saem mil contradições humanas, todas aceitas e reprimidas.
No estômago guarda a miséria dos crentes e a saciedade dos clérigos.
Mil pragas açoitaram a pele e mil brisas lhe vieram refrescar da ardência.
Nos braços: fábricas, forjas, arados
repetindo os mesmos movimento e obra, denominando-os diversamente.
Seus pés feitos de carruagens, foguetes, carros e cavalos
rumando, sem cessar, para a incerteza.
Nos olhos amontoam-se as cameras, os televisores e a poesia,
que apontam para todos os lados,
distraídos e hedônicos, estão obcecados pela trajetória.

terça-feira, 5 de abril de 2011

The Cake is a Lie

Enfiar-me num claustro monástico
e resolver todos os meus problemas.
Os religiosos não são seres universais;
são camundongos trafegando num labirinto
and the cake is a lie.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

02/02/11

Porque os dias já nasciam todos iguais há algum tempo, ela se deitou mais uma vez como sempre se deitava àquele horário naquele dia. Era uma tarde smooth jazz com pessoas smooth jazz, todas lá fora. Havia cansaço nos seus lábios proeminentes que não formavam palavra. Havia resolução na disposição dos móveis do quarto, mas aquilo era uma forma de maquiar seus sentimentos sempre fervilhantes. O impulso que a fez se jogar sobre os lençóis e acolchoados cuidadosamente escolhidos, não foi o que a fez decorar o quarto. Ela tinha percepção. Sabia que atuava e o quanto. Eram sete e dezesseis do horário de verão infernal. Das têmporas de todas as pessoas do universo parecia estar escorrendo suor e desânimo.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Crepúsculo em 17 de março

Desfaço as malas no presente absurdo e agonizante,
Pensamentos poluem inocentes papéis arranjados simetricamente.
O pânico comunitário ocupa na próxima esquina o lugar das mulheres impacientes em seus sapatos determinantes.
Na paisagem trêmula vê-se meninos arrogantes ostentando seus devices.
A tecnologia obscena exibe os seios para o futuro imberbe.
Num aquário, as juízas do invisível gozam perpétuas verdades.
Itinerários são traçados sobre o arcabouço autocontemplativo sem que este se ilumine.
Lobos aglomeram-se nos bares implorando por saúde e desfazem seu rosto suado num colérico sorriso.

Num período fronteiriço onde há paz social e intranquilidade,
onde a esquizofrenia urbana se une ao otimismo dos ébrios:
as pessoas de acetato subordinam-se ao cansaço e projetam seu mau-humor no ir e vir das suas contradições.