terça-feira, 9 de junho de 2015

Fumaça do mau humano

Por percorrer as ruas, cemitérios de sonhos e sentidos; por rogar novos subterfúgios, aspirações, inércias sorridentes, jogos simpáticos de caráter e moralidade. Por fugir das armadilhas da distração e da autocontemplação, do ruído agudo do progresso. Por desistir da penúria de existir em sublime graça, em negação ao mundo, em labirintos de insegurança, no fatal presente que me pausa, me fotografa em eterna juventude, e no momento seguinte que me envelhece, me desanima, me esfrega o sal na cara e me pausa, me fotografa. Por distribuir segredos a desconhecidos, rir com meus inimigos, seduzir a apatia e conjurar os deuses mortos da felicidade. As noites são entidades demoníacas finitas, são catástrofes infrutíferas diárias. Os sábados são a masmorra da alma. Quero pousar meu crânio fumigado em um anúncio de inseticida. 

domingo, 12 de outubro de 2014

criptosenhores de uma terra mística chamada teu rabo

Ó, Montezuma, traz a ordem,
Não deixe que os impuros e pardos se igualem a nós.
Nós que habitamos os castellos brancos,
a quem os médicis tanto serviram.
Poupai-nos porque nada herdamos.
Nós, os meritocratas, que nascemos do nada
alejados da nossa história.
Quem dera ser Tiradentes,
marionete canalha.

Ó, Jânio Quadros, por que a morte?
O Brasil salvarias.
Apunhalamos o povo Jango.
Nós, a cruz, a espada.
Mas sempre nós.
Na cruz.
Na espada.
Vargas não nos venceu, embora, com razão, tenha tentado.
Eis-nos aqui; o palanque é nosso.
O concreto é nosso.
Tudo nosso.
Mas quem somos nós?
Nada nosso.

Os canalhas copulam entre si.
Regozijam-se na própria oficina.
Entregai. Entregai. Entregai.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Ânimo


De tanto sentar em frente ao teclado esperando o insight redentor, nem vivo mais e não resta nada mais para escrever. Sinto-me estranhamente feliz e no meu cérebro não nascem mais as pústulas da insatisfação que eu insistia em cutucar com minha pobre literatura até que o pus se espalhasse por todas as partes. Mas agora, infelizmente, estou curado desta peste que me acometeu nos últimos anos. Fui traído pela minha saúde mental. Mostro a irritação dos funcionários públicos, mas nunca mais aquela infelicidade urgente.

É frustrante querer levantar pela manhã. É frustrante gostar de tudo que me cerca: as músicas felizes, o mau humor dos comerciantes insolventes, as filas de supermercado, os anúncios de lingerie. Tornei-me pessoa ordeira, que se satisfaz com duas ou três doses de alguma bebida. Onde estão os dias nublados? Por que não me deixam mais escrever?

Não entendo essa segurança que me acometeu; de poeta passei a pedante e pouco me vale um ser humano. Faço muito mais caridades e conceções que antes, mas as faço com um desdém quase superior à timidez que me impedia de realizá-las quando eu realmente me importava. Às pessoas, sou ainda um valoroso indivíduo, mas o espírito que me concedeu tal estereótipo agora jaz escondido num dia ordinário do passado. Sou-lhes, realmente, gentil, no entanto pouco me vale ver seus rostos transbordando em sorrisos e rubor por ouvir minhas bem elaboradas e pensadas frases de efeito, resquícios de algum filme terrivelmente mal produzido do qual só se salva um fragmento de diálogo.

É estranho dizer que se sente saudade de si mesmo, ou que se quer viver do passado. Não é exatamente disso que se trata. Falta-me o velho espírito que me acompanhou e me fez perceber uma universalidade de coisas. Não quero transmudar-me num especialista, num verme burocrático escravo do rol de qualidades ocidentais. Queria, sim, tornar-me um verme; alimentar-me da frustração humana, das excrescências, rastejar sob o solo procurando almas perdidas que descolaram do álbum de fotos da sociedade. Versar minha própria insatisfação, não essa insatisfação de ter deixado de ser alguma coisa que acabei me tornando por acaso, mas uma insatisfação plena e justificada, a insatisfação última que arrebata todos os olhos fechados numa noite sem sono.

Temi o momento em que viria à tona essa estagnação. Disse-o àlguns amigos, mas quase sem crer-me, pois todo estado de espírito é o derradeiro. Por isso arrisco na gravidade do argumento; padeço, sim, de grave moléstia invisível: meus neurônios são quase unânimes ao dizerem-se satisfeitos, resta um dissidente. Pois quero incorporá-lo, personificá-lo, quero ser o único dissidente nesta massa, indo contra, até mesmo, minha atual índole, e é por isso que, agora, escrevo.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Pensamentos de Relógio


clin clan clan clon clan clan clin clon
e é assim que o tempo passa.
badaladas que ressoam num infinito que ouvimos e não vemos.
os relógios de corda são sempre pontuais
são guardas da nossa angústia
da nossa pressa
do nosso passado ressoando num infinito que ouvimos e não vemos.
porque é sempre a mesma canção:
clin clan clan clon clan clan clin clon
e o futuro que eu espero ainda não chegou
nem meus dedos estão tão habilidosos
nem meu cérebro tão astuto
nem tão rápida minha fortuna.

Eu presencio a decomposição do meu corpo,
o desespero jazer nos dias de finados,
as calúnias sobre meus parentes mortos,
os sábados escurecerem onde a frustração não tem remédio.

Midas. Oh! Midas.
Vinde.
Prorrogai minha dor.
Afagai meu esforço.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Volta


Onde eu pus minha idiotia?
Apalpo os bolsos e nada,
deixei na outra calça.
A lobotomia migrou dos hospícios para meus armários
e dali para as paredes.
Agora povoam meus bolsos.
Eu vejo e ignoro as câmaras de suicídio assistido pendendo das boates e boutiques,
vejo e ignoro os zumbis dançando rentes ao meio fio, selvagens moribundos.
Os moralistas bradam anedotas sociais de suas poltronas,
seres humanóides arrastam seus sapatos na lava para oeste tal Colombo.
Onde eu pus minha idiotia, minha falsa humanidade e meu isqueiro?
Meu desesperado silêncio e os conceitos incansavelmente engolidos todos os dias: alhures.
Perdi-os e agora maquio minha mente pálida ao passar pelo umbral.
Bons dias, excelentes notícias sobre algum figurão adornado de panos bem costurados.
E eu, aqui, na periferia do pensamento.
Depois de cercar meus instintos e sentimentos como feras,
depois como gado,
depois como cadáveres.
Daí enterro-os e passo a procurar belos epitáfios para justificá-los.
E eis-me aqui apalpando os bolsos.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

The 99%

Os cocainômanos postulam evidências de uma nova existência;
As semanas se rasgam proibidas, sob escrutínios celestes pelos maus presságios evoluídos de anteontens sombrios.
E os cocainômanos postulam e elucubram e movimentam seus dedos sobre os espelhos de melancolia.

Rígidos, os amanheceres descascam em percepções tristes e músculos tensionados.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Breve elogio à mentira


Estive meditando nos intervalos dos cafés e decidi que gosto de mentiras; pelo menos parece que as pessoas estão tentando me impressionar.  Há muita gente tediosa por aí e é melhor mesmo que mintam; da minha parte, prefiro viver uma ilusão de quinze minutos que passar o resto do dia pensando como alguém pode suportar a si mesmo sendo tão desinteressante.
Partindo de um ponto de vista mais comercial, firmo ainda mais minha ideia neste posicionamento. As pessoas que conheço (pois só destas posso falar), quando são elas mesmas, o são de graça, sem nenhum fim de vantagem e este tipo de conformismo me incomoda ou, pelo menos, causa comichões no cérebro. Os mentirosos, estes eu admiro, estão à frente, pretendem, rebelam-se contra a realidade; negam o fatual, aumentando consideravelmente suas probabilidades. Qual o mal nisso? Vejo meus amigos e conhecidos, verbalizando seu fetiche pela verdade, mas, eu pergunto: o que há de tão bom nela? Se fosse, a verdade algo imaculado, por que haveria a mentira de existir?
Estarei eu me contradizendo aqui ao dizer sinceramente que gosto da mentira? Não entrarei neste tópico lógico e voltarei às justificativas. Prefiro minhas projeções de mim mesmo à minha presente condição. Apresentar-me como minha projeção futura é como vender uma ação com a promessa de que esta se valorizará. Não é um problema crer numa mentira, basta que ela seja indefectível. Comecei falando de cafés como unidade temporal e, agora, utilizarei esta bebida para finalizar de forma poética este breve excerto axiomático, com o fim de que não digam que não gozo de sentimentos nobres. Uma pobre analogia para arrematar este argumento que já me cansa as mãos: a vida do sujeito é o café fraco com gosto de coador da sua avó (algo irrecusável, mas não por suas qualidades); a mentira é açúcar para a vida e café fraco se carrega de açúcar para que fique tragável. Depois do segundo gole já se idealiza um café decente e, para fins de satisfação, é este café que se está tomando.